Não nos apropriamos, apenas nos beneficiamos dela. Por isso a existência não pode ser estética, há que se dar um sentido mais amplo a vida. O título não é meu, é do último livro de Txvetan Todorov, historiador e ensaísta búlgaro. Acabei pensando nele com a chegada da primavera. Porque a primavera? Porque a explosão de cores dessa época me faz recordar a abordagem extremamente elucidativa de Todorov para o que poderíamos chamar de ilusão do absoluto. Por meio do desdobramento trágico da vida de três grandes artistas - Oscar Wilde, Rainer Maria Rilke e Marina Tsvetaeva, o filosófo concluiu que a beleza não pode ser confundida com um antídoto para a vida, com uma passagem definitiva ao absoluto da vivência totalmente estética. Foi esse o grande erro que esses artistas, cada um a sua maneira, em situações também diferentes, acabaram cometendo e se conduzindo para o fim trágico. Todorov nos diz que o trio de criadores geniais aspirou tanto o absoluto estético que não percebeu que a beleza não salva o mundo porque ela é parte do mundo. Uma parte que pode dar sentido e forma a muitas outras, mas nunca será um refúgio. Não nos apropriamos da beleza, apenas nos beneficiamos dela. Essa é a grande questão que o humanista procura ressaltar e recomendar. É por isso que estou a pensar, nas vizinhanças de mais uma primavera, que podemos nos beneficiar não só em olhar para as bancas de flores do Cemitério da Consolação, nos deliciando com a exuberância de matizes, como também reparar nas pessoas que param e se perdem em meio a tantas nuances e fragrâncias, nos artistas que se deixam ficar horas observando as mais variadas expressões das cores. Toda essa movimentação nos faz perceber como a experiência do mundo se abre com a beleza, e não para a beleza. A beleza não é o fim, é uma presença constante, mas nem sempre bem observada. Essa é a razão de cultivarmos tanto os grandes artistas: pois, em algum momento, eles nos fizeram perceber que o mundo pode se expandir por meio de uma beleza revelada, e a partir daí nos tornaremos um pouco mais aptos a lidar com o universo.
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